domingo, 16 de março de 2008

Afinal, queremos mesmo privacidade?

Novas tecnologias de comunicação têm desafiado nossos limites

Recentemente, dois episódios trouxeram à tona a discussão sobre a invasão de privacidade proporcionada pela Internet e as novas tecnologias. Primeiro, um crime contra a honra: o caso da estudante de Direito da Univem (Centro Universitário Eurípedes de Marília), em Marília, que teve suas fotos fazendo sexo com dois rapazes veiculadas na Internet. Por isso recebeu cerca de 10 mil recados ofensivos contra ela em sua página do Orkut, tendo que abandonar o maior site de relacionamentos do Brasil.
Depois disso, o mesmo site lançou uma novidade: pôs à disposição dos usuários o "visualizador de perfil", uma ferramenta que permite saber quem bisbilhotou a sua página. O fato gerou polêmica entre os usuários, agora mais conscientes da exposição ao qual estão submetidos. Alguns, pela primeira vez, tomaram consciência do quanto permitem que sua privacidade seja invadida.

Ingenuidade ou prazer em ser visto?
Não se engane: você está em um espaço público. Meça as conseqüências

São 2 da madrugada. Todos estão dormindo e você está sozinha no quarto com o seu computador. Na calada da noite, a inspiração vem. Você acessa o seu blog e despeja ali todas as suas angústias. Aproveita e registra o momento: com a câmera digital do celular, tira uma foto de si mesma - descabelada, pálida e ainda meio "bebum" da balada que acabou de voltar. Só para você mesma lembrar de como estava se sentindo naquela noite. Também divulga no blog a foto com o cara que ficou na balada. Com saudade dele, bisbilhota a página do moço no Orkut e resolve deixar um recadinho para ele: "adorei a nossa noite". No conforto do seu quarto, sentindo-se segura e protegida em sua casa, você só se esqueceu de uma coisa: cerca de 30 milhões de usuários poderão ler, julgar e comentar publicamente tudo o que você divulgou.
Segundo Erick Itakura, psicólogo e pesquisador do NPPI (Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática) da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), o fato de podermos acessar a rede da nossa própria casa, do nosso computador pessoal, cria uma falsa sensação de segurança. Perde-se a noção de que milhares de pessoas podem ter acesso. "A proteção física cria ilusão da proteção psicológica", explica.
Para ele, não estamos mudando a nossa concepção de privacidade. O que acontece é que estamos deslumbrados com a nova ferramenta e muitas vezes agindo ingenuamente, sem medir as conseqüências. É que, pela primeira vez na vida, qualquer indivíduo comum tem a possibilidade de se tornar "famoso". E ninguém foi ensinado a lidar com a "fama", que pressupõe exposição, críticas e julgamentos.
Muitas pessoas, quando se dão conta das conseqüências da exposição, cometem orkutissídio (se autodeletam do Orkut), ou param de escrever em seus blogs.
"As pessoas argumentam que pararam de acessar a rede de relacionamentos ou seus blogs porque foram invadidas. Mas, na verdade, não foram. Só é invadido quem não deu autorização para tal", avalia Itakura. Ele tem razão: quem está no Orkut ou tem um blog dá liberdade para quem quer que seja entrar na sua intimidade.
"No fundo, as novas tecnologias de comunicação - Internet, celulares - revelam a dificuldade das pessoas de encarar a solidão e ficar com elas próprias. Por isso, a necessidade de ter tanto contato com o mundo, o tempo todo", diz Itakura.

Novas tecnologias: como usar
Usuários expõem intimidade e reclamam de invasão de privacidade

É verdade que não há nada mais libertador do que um espaço onde você pode divulgar o que quer, expressar tudo o que pensa, sente, compartilhar suas ideologias e crenças publicamente - sem precisar ter a grana da Rede Globo para tal. Também não há sentimento mais reconfortante do que o de poder conectar pessoas de todo o planeta, conversar com elas em tempo real, a qualquer momento. É maravilhosa a possibilidade de acessar informações vindas de todos os cantos do mundo, visitar bibliotecas, museus, sem sair de casa.
Sem dúvida, a Internet é o veículo mais democrático que já existiu. "A mesma não cria nada, é apenas um espelho da sociedade, só mostra o que já existe", explica Erick Itakura. Segundo ele, não é à toa que 70% dos 17 milhões dos usuários do Orkut são brasileiros. O fato reflete uma característica cultural. "O brasileiro gosta de se mostrar, 'aparecer', de ser 'social'. Já os norte-americanos e europeus privilegiam mais a privacidade", explica, o que mostra que a Internet não está modificando nossa noção de privacidade, apenas reproduzindo qual é a nossa real concepção sobre privacidade e até que ponto a valorizamos.
Segundo Itakura, a Internet em si não transforma ninguém em um voyuer, narcisista, exibicionista ou pedófilo. Tampouco o Orkut é culpado por agirmos como crianças de quinta-série competindo com os amigos para ver quem é mais sexy e popular. A rede só abre espaço para as pessoas que já são assim se mostrarem. "Todo ser humano tem certas características. As pessoas encontraram na Internet o lugar onde pode expressar essas necessidades", diz.
"O Orkut é um 'Big Brother' virtual. Tem que saber se apresentar ali dentro", recomenda André Teles, autor do Livro do Orkut, onde dá dicas de marketing para que as pessoas tirem melhor proveito da ferramenta. Segundo Teles, as pessoas estão usando o orkut sem a consciência da falta de privacidade. É preciso ter muita cautela até por questões profissionais, já que os departamentos de Recursos Humanos das empresas estão usando o site de relacionamento para conhecer melhor o perfil das pessoas.
"É preciso ter consciência que o Orkut é uma espécie de homepage sua", alerta. E explica: "não que você tenha que passar a imagem do que você não é. Mas tem que se expor de forma que possa trazer benefícios para você".
Ele dá as dicas:
Fuja de comunidades do tipo "Odeio acordar cedo" e "Odeio o meu chefe";
Bloqueie o visualizador de perfil;
Se quer privacidade, não use os scraps (recados) do Orkut para procurar relacionamentos. Existem outras maneiras de fazer isso, como por e-mail;
Não divulgue seus telefones e msn.

Conheça também a Cartilha Diálogo Virtual e aprenda a navegar com segurança e privacidade na Internet

Fonte: www.denunciar.org.br/twiki/bin/view/SaferNet/Noticia20060428042836

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